domingo, dezembro 07, 2014

João Baptista tinha razão




Podia-nos parecer que o Evangelho do 2º Domingo do Advento pertence a um outro tempo e não tem nada a ver connosco. Nem sequer aparece Jesus, mas apenas João Baptista, que pode parecer uma figura um pouco estranha e demasiado severa para o nosso gosto. Fechamos este texto e lemos outro?
Não, porque neste Evangelho Deus também nos fala, e diz-nos o que também nós, hoje, precisamos de ouvir. 

Pieter Bruegel o Velho, A pregação de S. João Baptista (1566)
(Museu das Belas Artes de Budapeste)

Antes de apresentar João Baptista, S. Marcos transcreve algumas frases da Sagrada Escritura extraídas de dois profetas, embora só cite Isaías. Mas uma das frases é de outro profeta, chamado Malaquias. É ele que põe na boca de Deus estas palavras: “Vou enviar à tua frente o meu mensageiro, que há-de preparar o caminho diante de mim” (Mal 3, 1).
Por sua vez, Isaías diz: “Uma voz clama no deserto: «Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas» ” (Is 40, 3).
Um autor antigo, chamado Porfírio (233-304), grande inimigo dos cristãos, critica S. Marcos por aquilo que considera a sua confusão e a sua ignorância, mas aqui não se trata de ignorância nem de confusão. Como explica S. Jerónimo, grande conhecedor da Sagrada Escritura, S. Marcos só se preocupa com citar Isaías, porque a essência do que diz Malaquias está mais bem exposta no texto de Isaías.
Quanto a João Baptista, foi o último mensageiro de Deus antes de vir Jesus, e foi ele que preparou, no deserto, os caminhos para Jesus poder chegar aos corações de muitos.
E foi ele que teve a coragem de fazer uma daquelas coisas que mais custa fazer a um simples ser humano: dizer aos outros que precisam de se arrepender dos seus pecados e começar a viver uma vida diferente.
E é aqui que está a grande actualidade deste Evangelho. Vivemos num mundo em que há violências, fraudes, abusos, crimes de toda a espécie. As pessoas que são acusadas de ter cometido ilícitos graves que caem sob a alçada da lei, procuram provar a sua inocência (ou a sua menor culpabilidade) à face da lei, para serem absolvidas ou terem penas menores. E também quem comete erros na escola, na família ou no trabalho procura, normalmente, justificar-se.
Mas quase não há a noção do arrependimento. E quase se perdeu a noção do perdão que pode ser pedido a Deus.
Mas a Palavra de Deus diz-nos que, diante de Deus, não adianta desculpar-nos ou justificar-nos. É muito melhor pedir a Deus desculpa, pedir a Deus perdão, e pedir-Lhe que nos justifique, isto é, que nos torne de novo, pelo seu poder, justos aos seus olhos.
É esta uma das dimensões essenciais do Advento. Se não a vivermos, faremos do Natal só uma aparência.
O tempo de Natal é útil para manter uma certa aparência de boas relações ou um certo clima de boas relações durante algum tempo, o que sempre é melhor que nada, ou pelo menos é melhor que o seu contrário.
Mas, quem não se contentar com as aparências e desejar viver a vida com verdade, terá de ir mais longe. Terá de reconhecer que João Baptista continua a ter razão, e que continuamos a precisar de receber o perdão dado por Deus. Só Deus é suficientemente poderoso para poder perdoar verdadeiramente.
Existe na Igreja um canal e instrumento do perdão, que é o sacramento da Reconciliação ou Penitência a que habitualmente se chama Confissão, pela declaração das faltas que implica. Pode às vezes custar tanto como descer às águas frias do Jordão, mas tem um efeito regenerador e também consolador. Faz- nos um grande bem, muitas vezes devolve-nos a alegria perdida, mas não podemos pensar só em termos pessoais, não podemos esquecer ou desvalorizar o bom efeito que também pode causar à nossa volta.
Se alguém, embora reconhecendo-se pecador, procura a verdade da sua vida no rosto de Cristo, e Lhe pede, através da Igreja, a água pura do perdão, também a sua presença no mundo pode ser um factor de mudança.
E assim poderemos levar à nossa volta, neste Natal, uma alegria mais sentida e verdadeira, uma atenção sincera aos outros, e não momentânea, mas habitual, e uma esperança que nada pode fazer extinguir, porque nos vem de saber que vai chegar, e já chegou, Aquele que nos traz a consolação de Deus.
Como propósito concreto, proponho que cada um fixe desde já o dia e a hora da sua Confissão (ou das suas Confissões) de Advento, e procure nunca vir sozinho: há sempre um amigo, um colega, uma familiar que só precisa de uma pequena ajuda para vir também.
E para que este propósito resulte, rezemos ao Espírito Santo, no Qual, como anunciou João Baptista, fomos baptizados, e por Quem queremos continuar a ser modelados, para transmitir à nossa volta a imagem fascinante de Cristo, fonte do perdão e da graça que renova a nossa vida.

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